Feliz daqueles que hoje
conseguem se olhar no espelho e saber realmente quem são. Enquanto uma mistura
de povos e raças, vivemos historicamente todo tipo de opressão, exploração e
violência. Felizes ou alienados, tão quanto aqueles que, ao meio de tantas
misturas da nossa formação se declaram brancos ou até mesmo defendem uma linhagem
de raça pura, seja ela qual for.
Não estou com isso
desconsiderando as injustiças sociais e o preconceito que vivenciam os pretos
em todo período da nossa historia. Mas ao mesmo tempo não há como desconsiderar
que estamos em um processo de descobrimento da nossa identidade. Nosso
descobrimento enquanto povo.
Quem é o brasileiro? Se
não o latino continental. Periférico do sistema capitalista como toda a América
Latina, explorados pelo grande capital e por seus interesses. Sabemos tudo
sobre a cultura e a vida norte americana: o que comem pela manhã (bacon e
cereal), o que comem no trabalho (café e rosquinhas) o que comem no churrasco (hambúrgueres)
o que comem na rua (hot dog) e importamos tudo, queremos e sonhamos com essa cultura
e com o sonho americano do consumo.
Ao mesmo tempo, pouco
sabemos sobre o continente que vivemos, sobre como vivem nossos irmãos latinos.
O que comem pela manhã? Como trabalham? Como fazem suas festas? O que comem nas
ruas? Nem imaginamos que até o nosso café no copo de vidro é da mesma forma consumido
por eles, e se sabemos não conseguimos fazer a conexão entre a nossa realidade
e a deles. Quanto desconhecimento, eu me interrogo!
Se fomos e somos tão explorados, vivemos no mesmo continente, passamos as mesmas dificuldades. O
que nos faz pensar que somos diferentes deles? A não ser é claro, a mais completa alienação
cultural sobre um povo, que se acha norte americano.
Claro de não estou
desconsiderando a morte de George Floyd e a luta contra o racismo, estou apenas
buscando nos situar no meio a tanta dor e confusão. Pois, ainda que haja
diferenças entre nós, brasileiros, que precisam ser corrigidas e retratadas historicamente,
ainda assim, somos todos iguais latinos americanos, economicamente explorados e
marginalizados, e uma mistura de raças e cores que nos faz tão diferentes dos
outros continentes.
Não conseguimos nos reconhecer!
Negamos nossa cultura, nossa religião e nossa subalternidade ao sistema,
impondo a nós mesmos a superioridade cultural estadunidense. Não conseguimos
olhar para os países irmãos da America Latina e reconhecer que somos iguais.
Que não é preciso, como dizem alguns, que aconteça um processo de aculturação
latina americana no Brasil, não! É preciso apenas nos reconhecer como somos.
O relato de Che Guevara em sua
viajem quando diz que se sentia em casa nas vilas da America Latina há tempos
já demonstra nossa semelhança econômica e cultural. Sempre fomos explorados,
levaram o que podiam e ainda tentam levar mais. O ouro, os minérios, o
petróleo, a natureza, os recursos naturais e a nossa consciência. E ainda
assim, continuamos achando que fazemos parte dessa enorme “casa grande” do sistema
capitalista, sem compreender que estamos
todos na “senzala” do sistema.
E ao não nos reconhecer
como o que e quem somos, somos também alienados, verdadeiros “capitão do mato” dos
nossos irmãos latinos, negando nossa cultura e igualdade enquanto explorados,
marginalizados e excluídos. E isso diz muito sobre nós.
Há um longo caminho
nessa construção e descoberta, mas o primeiro passo nesse processo, certamente é conhecermos: O
que comemos? Como são nossos churrascos? O que “podemos” comer no trabalho? O
que comemos nas ruas, e como é? E com quem afinal nos identificamos, quem se parece conosco?
Talvez nos falte
conhecer mais sobre essa cultura latina. Talvez nos falte coragem pra ver quem
somos e abandonar nossas ilusões e caminharmos segundo a nossa realidade.
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