quinta-feira, 11 de junho de 2020

A DOR, EXPÕE PROCESSOS.





Feliz daqueles que hoje conseguem se olhar no espelho e saber realmente quem são. Enquanto uma mistura de povos e raças, vivemos historicamente todo tipo de opressão, exploração e violência. Felizes ou alienados, tão quanto aqueles que, ao meio de tantas misturas da nossa formação se declaram brancos ou até mesmo defendem uma linhagem de raça pura, seja ela qual for.

Não estou com isso desconsiderando as injustiças sociais e o preconceito que vivenciam os pretos em todo período da nossa historia. Mas ao mesmo tempo não há como desconsiderar que estamos em um processo de descobrimento da nossa identidade. Nosso descobrimento enquanto povo.

Quem é o brasileiro? Se não o latino continental. Periférico do sistema capitalista como toda a América Latina, explorados pelo grande capital e por seus interesses. Sabemos tudo sobre a cultura e a vida norte americana: o que comem pela manhã (bacon e cereal), o que comem no trabalho (café e rosquinhas) o que comem no churrasco (hambúrgueres) o que comem na rua (hot dog) e importamos tudo, queremos e sonhamos com essa cultura e com o sonho americano do consumo.

Ao mesmo tempo, pouco sabemos sobre o continente que vivemos, sobre como vivem nossos irmãos latinos. O que comem pela manhã? Como trabalham? Como fazem suas festas? O que comem nas ruas? Nem imaginamos que até o nosso café no copo de vidro é da mesma forma consumido por eles, e se sabemos não conseguimos fazer a conexão entre a nossa realidade e a deles. Quanto desconhecimento, eu me interrogo!

Se fomos e somos tão explorados, vivemos no mesmo continente, passamos as mesmas dificuldades. O que nos faz pensar que somos diferentes deles? A não ser é claro, a mais completa alienação cultural sobre um povo, que se acha norte americano.
Claro de não estou desconsiderando a morte de George Floyd e a luta contra o racismo, estou apenas buscando nos situar no meio a tanta dor e confusão. Pois, ainda que haja diferenças entre nós, brasileiros, que precisam ser corrigidas e retratadas historicamente, ainda assim, somos todos iguais latinos americanos, economicamente explorados e marginalizados, e uma mistura de raças e cores que nos faz tão diferentes dos outros continentes.

Não conseguimos nos reconhecer! Negamos nossa cultura, nossa religião e nossa subalternidade ao sistema, impondo a nós mesmos a superioridade cultural estadunidense. Não conseguimos olhar para os países irmãos da America Latina e reconhecer que somos iguais. Que não é preciso, como dizem alguns, que aconteça um processo de aculturação latina americana no Brasil, não! É preciso apenas nos reconhecer como somos.

O relato de Che Guevara em sua viajem quando diz que se sentia em casa nas vilas da America Latina há tempos já demonstra nossa semelhança econômica e cultural. Sempre fomos explorados, levaram o que podiam e ainda tentam levar mais. O ouro, os minérios, o petróleo, a natureza, os recursos naturais e a nossa consciência. E ainda assim, continuamos achando que fazemos parte dessa enorme “casa grande” do sistema capitalista,  sem compreender que estamos todos na “senzala” do sistema.

E ao não nos reconhecer como o que e quem somos, somos também alienados, verdadeiros “capitão do mato” dos nossos irmãos latinos, negando nossa cultura e igualdade enquanto explorados, marginalizados e excluídos. E isso diz muito sobre nós.

Há um longo caminho nessa construção e descoberta, mas o primeiro passo nesse processo, certamente é conhecermos: O que comemos? Como são nossos churrascos? O que “podemos” comer no trabalho? O que comemos nas ruas, e como é? E com quem afinal nos  identificamos, quem se parece conosco?

Talvez nos falte conhecer mais sobre essa cultura latina. Talvez nos falte coragem pra ver quem somos e abandonar nossas ilusões e caminharmos segundo a nossa realidade.


Cristiane Camargo
Secretária de Comunicação e Movimentos Sociais no Brasil.

Rubén Soarez
Diretor Internacional 

CONAICOP - Conselho Nacional e Internacional de Comunicações Populares.